segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Avançar


 
Nem sempre ir em frente significa avançar.
Por vezes seguimos freneticamente, a passos largos, imbuídos do intuito de não parar. E tantas vezes, devorados por essa inércia, não percebemos que continuamos no mesmo lugar. Avançar implica em perdas e dores. Avançar nos faz melhores, mas nos traz cicatrizes. Avançar não é esquecer ou banir. É entender onde estamos e dar, conscientemente, um passo a frente. Com toda a inquietude da lucidez. Com o espanto de um tapa na cara. Com o susto de quem parou para entender o recado da vida.
É, nem sempre ir em frente significa avançar.
Pássaros indomáveis nos puxam para frente, quando muitas vezes precisamos é ficar.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Crianças

Observar uma criança é como reaprender a vida. Tanta entrega, tanta vivacidade, tanta intensidade. Amar uma criança é como se banhar, diariamente, com o elixir da juventude. Impressionante como esses pequenos tem o dom divino de apaziguar dores, proporcionar sonhos, fortificar metas, colorir os dias e encantar corações, mesmo aqueles tão calejados e doloridos. É com imensa alegria que divido meu dia com duas crianças ímpares. Ou deveria chamar de os melhores professores que a vida me deu ? Ou da melhor terapia que já fiz ? Ou das gargalhadas mais gostosas que eu já dei ? Ou das emoções mais fortes que eu já senti ? Ou da caixa de lápis de cor mais colorida que eu já tive ? Ou da maior bênção que Deus me deu ? Me sinto em um jardim de infância redescobrindo a vida. E como é bela, forte, intensa e feliz. Como o frescor deles é capaz de me emprestar novas tintas. E como me sinto depositária de todo amor que existe nesse mundo.
Às minhas crianças devo minha vida. Inteira.
À todas as crianças devemos um mundo melhor. Muito melhor.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Afeto eterno

Hoje acordei sendo cutucada pela saudade. Saudade de quem não está mais nesse plano terreno. Saudade de quem não posso mais enxergar. É, na verdade não posso mais enxergar, conversar, falar. Mas posso sim ir de encontro a todas as lembranças de momentos compartilhados. Tão reais, tão fortes, tão vívidas. A alma é eterna e sobrevive a sua breve estada terrena. Ter a certeza de que meu grande amigo está em sintonia com todos os que lhe querem bem é um bálsamo. E fico feliz ao perceber que sua força, seu brilho e todo o exemplo que tatuou na minha alma permanecem para todo o sempre e atravessam os dias, meses e anos da sua ausência física.

terça-feira, 26 de junho de 2012

O cotidiano de cada um


No dicionário tá escrito: "aquilo que se faz todos os dias." "Que acontece habitualmente." Será mesmo o COTIDIANO sinônimo da monotonia? É soberano. Tantas vezes tirano. E mesmo carregado com um ar troiano, há quem diga da sua beleza. Há quem o veja com olhos de iniciante. Iniciantes que preferem a repetição até absorverem o todo. Rotina sem surpresas. Dia que amanhece. Noite que anoitece. E no intervalo uma sequência programada que traz a serenidade.
Mas venho aqui dizer que mesmo no ensaiado há improviso.
Que o dia cartesiano pode ser colorido com novos tons.
E é nesse milagre que habita a poesia.
É o branco da caixa de lápis de cor o mais apto a receber novas tintas.
Prefiro mesmo fugir dos rótulos.
Que o cotidiano possa sim ser aquilo que se faz todos os dias, MAS, sempre salpicado com versos livres, aqueles sem restrição métrica.
Só assim, o piscar de olhos entre o antes e o depois pode encontrar mágicos acontecimentos.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Esperando meu cavalo alado

Às vezes fico quietinha, quietinha. Como a recobrar o fôlego às vezes perdido e tantas vezes muito bem usado. Tentando absorver aquilo que a fúria diária maquia e não traduz. Colhendo a seiva daquilo que me foi oferecido e direcionando para plantações vindouras. Esquecendo as auto-sabotagens que em muitos momentos experimentamos, colocando pedras intransponíveis nas nossas paisagens. É. Fico quietinha, quietinha. Como a fotografar esses sentimentos para que minha retina empreste essas imagens para sempre à minha alma. E não se perca de mim essa percepção lúcida dos fatos.
Quietinha, quietinha...
E sentada num amontoado de palavras fico esperando meu cavalo alado.
Aquele que me rouba desses instantes de reflexão e me faz explodir em palavras.
Sejam elas alegres ou tristes, doces ou árduas, leves ou pesadas.
Mas sempre PALAVRAS que fazem meu ser ensolarado.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Como olhos de coruja


Tem hora que a gente não sabe pra onde correr. A vida continua ali. Implacável. Como olhos de coruja à espreita das nossas fraquezas. Prosseguir é virtude. É aceitação. E aceitar é entender que não podemos impedir a mudança. Que as rédeas da vida dançam nas nossas mãos, mas não nos pertencem. Deixamos nossas digitais nelas. Imprimimos emoção e razão. Atravessamos vales e montanhas. Desertos e oásis. Mas não nos pertencem. Apenas alcançamos a grandiosidade do viver quando, absortos, compreendemos que a permanência é fugaz. E que o eterno burilar nos move adiante. Tão eterno quanto a impermanência das coisas.

Ponto

Por mais que eu queira
Por mais que eu não queira
De tudo
Por tudo
A tanto
Portanto
Sei do seu encanto
E ponto.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

A caverna nossa de cada dia

Hoje deparei-me com um ser embrutecido. Sim, embrutecido. Fiquei imaginando quantas camadas de tristeza, de rancor, de frustração se solidificaram em seu redor. E como é difícil transpor cada uma delas pra chegar perto daquilo que esse ser realmente é. Fico imaginando como é complicado pra ele conviver consigo mesmo, preso às suas próprias amarras. Lutando ferozmente contra seu próprio fantasma que o atordoa.  Como numa caverna fria e úmida, sem uma nesga de claridade. Com pouco oxigênio e nenhuma disposição pra sair.
E depois de tanto refletir, fico imaginando quanto disso temos em cada um de nós. Quantas cavernas sombrias nos habitam? Quanta vontade de aflorar e florir, tolida e cimentada por julgamentos vis? É! Quem nunca se sentiu assim que nos conte aqui. Procurar a luz na caverna nossa de cada dia é um desafio. E encontrar, uma urgência.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Abaixo a mornidão

A vida e suas facetas felizes. De repente você amanhece num dia morno, com sol morno, vento morno. Mornidão assustadora para uma ariana legítima. Mornidão que está perto daquele incômodo cisco no olho, que te impede de enxergar além, que leva a alma a uma envergadura extrema em busca de luz.
E basta uma rajada de vento (e vem ele com tanta força) para aquecer aquele sopro falho de calor. Bendita rajada de vento que transforma mornidão em vulcão. E, apesar das erupções involuntárias e sem aviso, ainda prefiro assim. Vida vulcão. Porque de morna basta a água empoçada.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Toque

O sopro de vida esperado
vem galopando.
Me persegue.
E, por vezes, me toma por inteiro
e me despe.
É o inesperado à galope.
É a emoção daquele toque.

Retalhos antigos 2

SAUDADE

Saudade.
Ausência daquele quê que me envolvia e me fazia tão mulher.
Tudo era tão intenso e por isso mesmo tão perto da morte. Morte do nosso tempo.
E entre um ágape e outro, quanta história, quanta memória farta de sedução.
Os olhos ainda brilham, mas se esqueceram que eram narcisos e não se procuram mais.
Aquela cumplicidade toda, agora se dilui. É como se um ácido ousasse corroer o que havia de mais eterno. É como se aquele vulcão fingisse se tornar um sopro falho de calor. É como se eu engolisse o desaforo do mundo. E engolida não posso sequer falar. Calar é o meu desespero. O que me resta é aquele resto de olhar, que tímido esqueceu-se de toda emoção. Esquecemos um do outro. Esqueci de dizer o quanto amei. Amei-te. Em meio a tanta loucura pensei estar explícito o que para mim era a única verdade. Esqueci, mas esqueceu-se também. Esqueceu-se do abrigo, do afago, do mundo que despejei sobre teus pés e era a ti destinado. Esqueceu-se de tentar vingar aquela semente cujas raízes afundaram.
E nossa amizade, tão sincera, foi a mais esquecida e enterrada. Agora jaz numa rua sem esquina. Sem uma quilha que a faça retornar. Não há chance de sobrevivência. Os pássaros do acaso não ousam mais pousar sobre meus ombros. Um grito abafado ecoa e se perde na madrugada vazia. Vampira noite que me engole, gole a gole, e me embriaga de lucidez.
A noite e eu num ágape de solidão.
A noite provocando prazeres e desenhando com estrelas uma realidade mais colorida, de onde provém fluidos únicos de bem-estar e um estado quase feliz.
Sem você, mas quase feliz.
Sem você, mas pela primeira vez, plena de mim.

(década de 90)

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Ensaio e retalhos

ENSAIO
Há muitos anos tenho o hábito de colocar no papel meus pensamentos. Passados os anos, o papel perdeu seu sentido e tais pensamentos foram parar na telinha do computador. Mas tudo começa igual: uma folha branca, uma tela vazia. E aí começam a pipocar sentimentos e verdades que insistem em se eternizar. Ganham forma, ganham força. E muitas vezes ganham um sentido maior do que realmente tem. Mas é daí que provém a mágica dessa arte. Escrever é viver o sentido íntimo da palavra. É empalar no acúleo máximo dos meus sentidos. É delinear emoções. É colorir o cotidiano. É reinventar o óbvio. É maquiar o feio. É criar o improvável, copiar o provável. É também mostrar a realidade. Nua e tua. É reviver cada momento esquecido, ora vivido e daqui pra diante sacramentado. Na verdade, é um ensaio. Ensaio de devaneios, verdades, bobagens.
Apenas ensaio...e ponto.

RETALHOS
Fragmentos. Pedaços. Momentos. Instantes. Talhos.
Uma colcha que vai sendo confeccionada aos poucos, tecida com preciosas impressões, costurada com valiosas e precisas linhas. Linhas do tempo. Tempo que soa, ecoa, e me prova que nada é à toa. Uma riqueza de detalhes que juntos vão desenhando uma história. História de muitas gentes, relatos apaixonados, falas engasgadas, verdades vomitadas. Luxo e lixo. Escandalosas verdades. Instigantes reportagens.
Sim, retalhos.
E assim eu sigo, três pontinhos...

quarta-feira, 25 de abril de 2012

Outono



E quando a retórica começa a ficar gasta, procuro no fundo do ser palavras que possam alcançar a amplitude do outro ser. Que sejam capazes de promover espanto. Que façam sinos tocarem. Corações verdejarem. Sensações aflorarem. Horizontes se modificarem. Porque palavras podem mudar um mundo. Uma vida. Um sonho. Uma despedida. Mesmo aquelas palavras cansadas que, como as folhas de outono, deitam-se no chão para enfeitar a paisagem.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Todo dia ao deitar

Todo dia ao deitar refaço o caminho que o dia cursou. Seja ele bom ou ruim. Feliz ou penoso. Só assim, sentindo de novo, posso realmente absorvê-lo de fato. E coisas que me escaparam parecem ganhar luz própria. E tantas palavras ganham novos significados quando no silêncio da alma percebo o que realmente elas queriam dizer. Foi refazendo trajetórias que, tantas vezes, percebi enganos cometidos no meu dia. Palavras que queria ter dito e não saíram. Ações que podiam se tornar reais e ficaram apenas na intenção. Refazer trajetórias me permite ter um novo-próximo-dia cheio de possibilidades conscientes. Por mais que a noite escura ofereça labirintos tortuosos, por mais que sonhos virem pesadelos... quando o dia amanhece é possível imprimir no mapa da vida, com tinta perene, aprendizados significativos. Refazer trajetórias me permite ser dominada pela verdade das minhas palavras.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Tempo consciente

Tempo, pra que te quero ? Quero tempo pra respirar. E poder estar consciente desse movimento. Quero movimento no meu tempo. Pra que ele não pare no tempo. Tempo pra absorver o que não entendo. E entender que só o tempo vai me dar esse tempo. Porque tempo é um espaço. E espaços precisam ser preenchidos para que não virem vãos na alma. Quero tempo para aquecer esses hiatos. Tempo para viver e não apenas existir. Quero abandonar a margem. Quero uma travessia com tempo. Tempo para desvendar labirintos. TEMPO. Com marcha. Com horizonte. Com intensidade.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Latência

Estado de latência. Sementes absorvendo a chuva abundante, que provocou correntezas em rios tão profundos. Raízes se aprofundando lentamente. Buscando alimento para a alma pálida. Continuação da jornada em modo avante. Os acontecimentos à frente. Feito outdoor esfregando a mensagem no nosso nariz. E fazendo escorrer pela garganta o gosto de coisas mal passadas. Na vida é preciso inventar sempre. Re-inventar sementes. Plantar esperanças. E aguardar a brotação. Que seja renovadora. Tingida fortemente. E que traga de volta minha caixa de lápis de cor...

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Sem ensaio

E a vida segue sendo apresentada sem ensaio.
O desafio é interpretar bem e improvisar melhor ainda.
Porque sempre é preciso.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Ensaio da alegria

A gente tenta tanto que uma hora consegue. Consegue viver um pouco sem amarras. Sem ser algoz de si mesmo. Consegue enxergar no outro um ser igual a você. Nem mais, nem menos. Simplesmente alguém que também é passageiro desse mundo. E que delira com os altos. E que se entristece com os baixos. E, de preferência, que se incomoda com o morno. Mas segue. E, como você, entende que a felicidade é o aqui. O que foi, o agora já tornou ontem. É alavanca. O que será nem existe ainda. E tantas vezes não existirá. Portanto foco. Foco no hoje. Lindo, perfeito, desejável. Foco nessa alegria de viver que sobrevive a qualquer inconstância. Porque essa sim é uma constante. E já dizia Jorge Amado: "a vida é feita de acontecimentos comuns e de milagres". Eu fico com os milagres. Aqueles que acontecem todos os dias. E que, tantas vezes, nos faltam olhos para enxergar.

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Trem da vida

E essa sensação de falta de controle que não passa? Impossível, no momento, desenhar, delinear, formatar, entender. Tudo tão vago. Tudo tão forte. Incompleto. Intenso. Confuso. É, o mundo gira com força bruta e não nos espera na estação. Na placa o aviso: embarque imediato em via de mão única. Destino: praça da vida. Modo: com aventura, vertigem e espanto. Não, não é um trem de passeio. É o trem da vida que segue e não faz retornos. Curioso perceber que, por vezes, seguimos com venda nos olhos. Sem entender muito. Apenas sentindo. E, por vezes, a lucidez nos incorpora tanto, que haja estômago para enxergar tanta realidade. O desembarque é imprevisto. Então só nos resta torcer que a viagem tenha sempre um saldo positivo. E o improvável e o provável entrem em comunhão. Mas o que fazer com tamanha sensação? E essa falta de controle que não passa?