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segunda-feira, 4 de junho de 2012

Retalhos antigos 2

SAUDADE

Saudade.
Ausência daquele quê que me envolvia e me fazia tão mulher.
Tudo era tão intenso e por isso mesmo tão perto da morte. Morte do nosso tempo.
E entre um ágape e outro, quanta história, quanta memória farta de sedução.
Os olhos ainda brilham, mas se esqueceram que eram narcisos e não se procuram mais.
Aquela cumplicidade toda, agora se dilui. É como se um ácido ousasse corroer o que havia de mais eterno. É como se aquele vulcão fingisse se tornar um sopro falho de calor. É como se eu engolisse o desaforo do mundo. E engolida não posso sequer falar. Calar é o meu desespero. O que me resta é aquele resto de olhar, que tímido esqueceu-se de toda emoção. Esquecemos um do outro. Esqueci de dizer o quanto amei. Amei-te. Em meio a tanta loucura pensei estar explícito o que para mim era a única verdade. Esqueci, mas esqueceu-se também. Esqueceu-se do abrigo, do afago, do mundo que despejei sobre teus pés e era a ti destinado. Esqueceu-se de tentar vingar aquela semente cujas raízes afundaram.
E nossa amizade, tão sincera, foi a mais esquecida e enterrada. Agora jaz numa rua sem esquina. Sem uma quilha que a faça retornar. Não há chance de sobrevivência. Os pássaros do acaso não ousam mais pousar sobre meus ombros. Um grito abafado ecoa e se perde na madrugada vazia. Vampira noite que me engole, gole a gole, e me embriaga de lucidez.
A noite e eu num ágape de solidão.
A noite provocando prazeres e desenhando com estrelas uma realidade mais colorida, de onde provém fluidos únicos de bem-estar e um estado quase feliz.
Sem você, mas quase feliz.
Sem você, mas pela primeira vez, plena de mim.

(década de 90)