terça-feira, 26 de junho de 2012

O cotidiano de cada um


No dicionário tá escrito: "aquilo que se faz todos os dias." "Que acontece habitualmente." Será mesmo o COTIDIANO sinônimo da monotonia? É soberano. Tantas vezes tirano. E mesmo carregado com um ar troiano, há quem diga da sua beleza. Há quem o veja com olhos de iniciante. Iniciantes que preferem a repetição até absorverem o todo. Rotina sem surpresas. Dia que amanhece. Noite que anoitece. E no intervalo uma sequência programada que traz a serenidade.
Mas venho aqui dizer que mesmo no ensaiado há improviso.
Que o dia cartesiano pode ser colorido com novos tons.
E é nesse milagre que habita a poesia.
É o branco da caixa de lápis de cor o mais apto a receber novas tintas.
Prefiro mesmo fugir dos rótulos.
Que o cotidiano possa sim ser aquilo que se faz todos os dias, MAS, sempre salpicado com versos livres, aqueles sem restrição métrica.
Só assim, o piscar de olhos entre o antes e o depois pode encontrar mágicos acontecimentos.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Esperando meu cavalo alado

Às vezes fico quietinha, quietinha. Como a recobrar o fôlego às vezes perdido e tantas vezes muito bem usado. Tentando absorver aquilo que a fúria diária maquia e não traduz. Colhendo a seiva daquilo que me foi oferecido e direcionando para plantações vindouras. Esquecendo as auto-sabotagens que em muitos momentos experimentamos, colocando pedras intransponíveis nas nossas paisagens. É. Fico quietinha, quietinha. Como a fotografar esses sentimentos para que minha retina empreste essas imagens para sempre à minha alma. E não se perca de mim essa percepção lúcida dos fatos.
Quietinha, quietinha...
E sentada num amontoado de palavras fico esperando meu cavalo alado.
Aquele que me rouba desses instantes de reflexão e me faz explodir em palavras.
Sejam elas alegres ou tristes, doces ou árduas, leves ou pesadas.
Mas sempre PALAVRAS que fazem meu ser ensolarado.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Como olhos de coruja


Tem hora que a gente não sabe pra onde correr. A vida continua ali. Implacável. Como olhos de coruja à espreita das nossas fraquezas. Prosseguir é virtude. É aceitação. E aceitar é entender que não podemos impedir a mudança. Que as rédeas da vida dançam nas nossas mãos, mas não nos pertencem. Deixamos nossas digitais nelas. Imprimimos emoção e razão. Atravessamos vales e montanhas. Desertos e oásis. Mas não nos pertencem. Apenas alcançamos a grandiosidade do viver quando, absortos, compreendemos que a permanência é fugaz. E que o eterno burilar nos move adiante. Tão eterno quanto a impermanência das coisas.

Ponto

Por mais que eu queira
Por mais que eu não queira
De tudo
Por tudo
A tanto
Portanto
Sei do seu encanto
E ponto.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

A caverna nossa de cada dia

Hoje deparei-me com um ser embrutecido. Sim, embrutecido. Fiquei imaginando quantas camadas de tristeza, de rancor, de frustração se solidificaram em seu redor. E como é difícil transpor cada uma delas pra chegar perto daquilo que esse ser realmente é. Fico imaginando como é complicado pra ele conviver consigo mesmo, preso às suas próprias amarras. Lutando ferozmente contra seu próprio fantasma que o atordoa.  Como numa caverna fria e úmida, sem uma nesga de claridade. Com pouco oxigênio e nenhuma disposição pra sair.
E depois de tanto refletir, fico imaginando quanto disso temos em cada um de nós. Quantas cavernas sombrias nos habitam? Quanta vontade de aflorar e florir, tolida e cimentada por julgamentos vis? É! Quem nunca se sentiu assim que nos conte aqui. Procurar a luz na caverna nossa de cada dia é um desafio. E encontrar, uma urgência.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Abaixo a mornidão

A vida e suas facetas felizes. De repente você amanhece num dia morno, com sol morno, vento morno. Mornidão assustadora para uma ariana legítima. Mornidão que está perto daquele incômodo cisco no olho, que te impede de enxergar além, que leva a alma a uma envergadura extrema em busca de luz.
E basta uma rajada de vento (e vem ele com tanta força) para aquecer aquele sopro falho de calor. Bendita rajada de vento que transforma mornidão em vulcão. E, apesar das erupções involuntárias e sem aviso, ainda prefiro assim. Vida vulcão. Porque de morna basta a água empoçada.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Toque

O sopro de vida esperado
vem galopando.
Me persegue.
E, por vezes, me toma por inteiro
e me despe.
É o inesperado à galope.
É a emoção daquele toque.

Retalhos antigos 2

SAUDADE

Saudade.
Ausência daquele quê que me envolvia e me fazia tão mulher.
Tudo era tão intenso e por isso mesmo tão perto da morte. Morte do nosso tempo.
E entre um ágape e outro, quanta história, quanta memória farta de sedução.
Os olhos ainda brilham, mas se esqueceram que eram narcisos e não se procuram mais.
Aquela cumplicidade toda, agora se dilui. É como se um ácido ousasse corroer o que havia de mais eterno. É como se aquele vulcão fingisse se tornar um sopro falho de calor. É como se eu engolisse o desaforo do mundo. E engolida não posso sequer falar. Calar é o meu desespero. O que me resta é aquele resto de olhar, que tímido esqueceu-se de toda emoção. Esquecemos um do outro. Esqueci de dizer o quanto amei. Amei-te. Em meio a tanta loucura pensei estar explícito o que para mim era a única verdade. Esqueci, mas esqueceu-se também. Esqueceu-se do abrigo, do afago, do mundo que despejei sobre teus pés e era a ti destinado. Esqueceu-se de tentar vingar aquela semente cujas raízes afundaram.
E nossa amizade, tão sincera, foi a mais esquecida e enterrada. Agora jaz numa rua sem esquina. Sem uma quilha que a faça retornar. Não há chance de sobrevivência. Os pássaros do acaso não ousam mais pousar sobre meus ombros. Um grito abafado ecoa e se perde na madrugada vazia. Vampira noite que me engole, gole a gole, e me embriaga de lucidez.
A noite e eu num ágape de solidão.
A noite provocando prazeres e desenhando com estrelas uma realidade mais colorida, de onde provém fluidos únicos de bem-estar e um estado quase feliz.
Sem você, mas quase feliz.
Sem você, mas pela primeira vez, plena de mim.

(década de 90)